Feminismo de Boutique – Como Beyoncé, Miley Cyrus e Lana del Rey estão modificando a estrutura do sexismo musical

O QUE PENSAM?, O QUE SENTEM?

por Ricardo Archilha 

No domingo do dia 24 de agosto, durante o Video Music Awards, Beyoncé roubou a cena. Durante os 16 minutos de sua apresentação memorável, a cantora subiu ao palco em meio a um espetáculo de luzes e imagens projetadas no telão. Atrás da diva, brilhavam letras que compunham a palavra FEMINIST. O show vai de encontro com um momento muito específico do pop atual: o do discurso feminista. Em meio a objetificação da mulher ressaltada pelo estilo, aparecem cantoras cujo discurso é contraposto à hegemonia sexista da música. A exaltação do corpo já não é mais gratuita; a mensagem, agora, é de empoderamento pleno.

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Mesmo que o prêmio de melhor vídeo do ano tenha sido entregue à Miley Cyrus, os holofotes em cima de Beyoncé não foram ofuscados. Vale dizer, entretanto, que a ex Hannah Montana também faz parte do time do novo feminismo musical. Não muito tempo atrás, a cantora da Disney chocou com sua completa mudança de identidade: a peruca volumosa deu lugar a um corte masculino, potencializado pelo brilho das mexas louras; o traje de garota colegial foi substituído por roupas curtas e provocantes; as letras, um dia pegajosas, agora entoam o hino do empoderamento. Hannah Montana está morta.

Nasce, junto com a nova Miley, um fenômeno delicado e contraditório. Estariam tais cantoras refletindo o verdadeiro feminismo, aquele estudado por autoras como Simone de Beauvoir e Ina Kerner? Seriam tais manifestações feministas válidas? Estudiosos divergem opiniões. De qualquer forma, é inegável o fato de que Miley Cyrus coloca em pauta uma importante questão: o slut-shaming. Não é difícil ver outras mulheres criticando o discurso da cantora, mostrando que não é de hoje que se manifestam antagonismos entre o próprio sexo feminino. Acontece que a própria Miley se contradiz: não só incita, como também pratica o slut-shaming. Será que tudo não se passa de um simples jogo comercial?

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Como todo manifestação cultural vigente, surgem contradições. Lana Del Rey é um exemplo. Desde que aparece na mídia, a cantora californiana incorpora a mulher oprimida da década de 1950, misturando, também, elementos da mulher sedutora. Inova, de certa forma, ao fundir a dona de casa com a femme fatale. Com ares de Lolita, é capaz de persuadir o sexo masculino mesmo que, no final, a subordinação seja completa. Ao lado de Beyoncé e Miley Cyrus, Del Rey também causa polêmica. Em seu mais recente álbum, Ultraviolence, a cantora incita, sem pudores, a violência doméstica. Na canção que dá nome ao disco, ela canta: Jim told me that / He hit me and it felt like a kiss ou até he hurt me and it felt like true love. Ultraviolence é retrocesso escancarado em meio ao discurso das outras cantoras.

Perceba, porém, que a contradição, aqui, também aparece – vem no fato de que se acredita que a interpretação da letra deve ser revista. Certo grupo de feministas defende que essa é, também, uma forma de empoderamento. Ora, o feminismo não se constitui, em linhas gerais, de qualquer forma de poder sobre o homem? Desde que haja conscientização de tal atitude, defende-se, não há problema algum. Será que Lana Del Rey representaria, então, um tipo distinto de manifestação feminista? Questionada sobre o assunto, a cantora é categórica: o feminismo é chato.

Em meio a constantes contradições, a verdade é que o fenômeno é recente. Sobreviverão, no futuro, as cantoras feministas de hoje? De qualquer forma, é urgente e importante o fato de que tais manifestações não devem ser apenas observadas – devem ser discutidas, estudadas, refletidas. Ao aparecer em frente a palavra “feminista”, Beyoncé representa, sim, a vanguarda da música pop. A pouca roupa de Miley Cyrus também trilha no mesmo caminho. Até mesmo o desdém de Lana Del Rey é necessário para que se observe as diferentes esferas que o neofeminismo vem alcançando. As interpretações são diversas, mas é bom saber que os jovens, em 2014, sejam influenciados por esse tipo de discurso – saibam elas o seu significado, ou não.

Feministas nos tempos modernos

O QUE PENSAM?

Por Mariana Amorim

Atitudes de cantoras da música pop, até pouco tempo atrás, passavam despercebidas pela maioria das pessoas e até por fãs. Despercebidas do ponto de vista de conteúdo musical. O choque que Madonna deu na sociedade no auge de sua carreira, foi visto na época como loucura, ou então mera invenção de moda. Entretanto, quebrar a imagem da mulher socialmente aceitável é, ainda hoje, uma das atitudes mais corajosas que apenas algumas conseguiram fazer.

A música pop, assim com as mulheres, está se reinventando. Canções que um dia serviram apenas de trilha sonora para danceterias ao redor do mundo, hoje trazem mensagens para que mulheres deixem as amarras do machismo para trás.

Confira uma lista de cantoras e músicas do universo pop que vão te fazer olhar e ouvir de maneira diferente o que elas têm para dizer.
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Beyoncé
Beyoncé, a diva do mundo pop, eleita pela revista Forbes como a celebridade mais poderosa de 2014, está no topo da lista. Casada com o rapper Jay-Z, considerado por muitos como o magnata de Nova York, Beyoncé mostra a cada nova música que sua verdadeira causa é a valorização da mulher na sociedade. A cantora não gosta de rotulagens, mas, também, com as letras e atitudes, nem precisa!

“Quem manda no mundo? Garotas!”

Valesca Popozuda
O funk no Brasil pode ser considerado como pop. E a funkeira Valesca Popozuda é ícone do feminismo do país. Sabe porque? Pelo simples fato de escancarar as vontades femininas em suas letras. Para ela, mulher também pode gostar e falar de sexo tanto quanto os homens. Nossa feminista mal compreendida (e qual não é?) pela sociedade tem algo a dizer:

“Quero te dar”

Lily Allen
A cantora britânica Lily Allen ficou muito conhecida por ir contra a maré, tanto no quesito padrões de beleza, quanto em relacionamentos. Ser chamada pela imprensa de “gordinha” nunca fora um problema. Mas a marca registrada do feminismo de Lily são as letras ácidas de suas músicas. Desde 22, em que a cantora faz crítica ao modo como a mulher é vista pela sociedade aos vinte e dois anos de idade, até Not Fair, canção em que Lily explora a vida sexual de um casal onde só o homem tem seus desejos satisfeitos.

“Quando vamos pra cama você não é bom”

Miley Cyrus
Outrora representante dos bons costumes exibidos pelos programas do canal Disney, a atriz e cantora Miley Cyrus foi uma aposta da companhia para agradar ao público. Entretanto, a garota largou a vida que levava e decidiu investir na carreira musical. E pouco a pouco mostra, ainda que os pais de seus fãs mirins reclamem, que pode e vai falar de sexo e livre arbítrio.

“Nós podemos transar com quem quisermos”


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Aborto: uma questão de saúde pública

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por Thalita Mota
O caso da criminalização do aborto é uma grande prova de como uma lei, baseada em opiniões moralistas e religiosas (e não na evidência de fatos sociais, como deveria ser), prejudica a saúde coletiva de modo tão gritante. Para este artigo, escolhemos dois textos de pesquisa acerca do tema no âmbito da saúde pública brasileira. O primeiro deles é um artigo editorial da RevistaBrasileira de Ginecologia e Obstetrícia, “Novamente a questão do aborto noBrasil: ventos de mudança?”, escrito pelo professor Rodolfo de Carvalho Pacagnella, do departamento de medicina da Universidade Federal de São Carlos; e o segundo, escrito pela pesquisadora Greice Menezes, do departamento de medicina da Universidade da Bahia, “Pesquisa sobre o aborto no Brasil: avançose desafios para o campo da saúde coletiva”, que apresenta dados e conclusões sobre a perspectiva do tema no país.
A criminalização do aborto envolve questões médicas, jurídicas, éticas, morais e religiosas. Em 2012, foi aprovado no STF, por dois votos contrários e oito a favor, a não criminalização do aborto em casos de fetos anencéfalos, o que forçou o debate acerca da autonomia da mulher e do direito reprodutivo. Em 2005/2006, foi feito um estudo com 4000 juristas no Brasil que observou que mais de 80% deles acreditavam que as circunstâncias de não criminalização do aborto deveriam ser ampliadas. Apenas 10% dos católicos do país acreditam que a igreja deva prevalecer sobre a diversidade de opiniões. Seriam esses alguns “entretantos” que comportam os ventos de mudança?
Entre muitos (ou nem tantos) “entretantos”, não é a clandestinidade que mata as mulheres no aborto. E sim a vulnerabilidade social. Estudos mostram que as mulheres que optam pelo aborto chamado inseguro, em sua maioria, são pobres, negras, migrantes, de baixa renda e escolaridade, solteiras e sem acesso à contracepção. A mulher rica tem mais entrada e menos insegurança no processo, portanto, mais chance de viver. Apesar de, no geral, o aborto ter porcentagem mais baixa em comparação a outros casos de morte e morbidade materna, quando há alguma complicação no aborto (sobretudo no inseguro), ela é mais prevalente. Cerca de 5% das mulheres que têm complicações no aborto chegam ao near miss materno, expressão utilizada para categorizar as grávidas que chegaram à quase morte durante quaisquer complicações na gestação.
Mas, então, o que leva às complicações no aborto inseguro? Menos o biológico do que a carência da assistência técnica, com certeza. Existe uma norma brasileira, intitulada Norma Técnica de Atenção Humanizada ao Abortamento, cujo nome é autoexplicativo, que, mesmo em condição de norma, é impedida de ser concretizada pela carência de vagas nos cuidados de pós-abortamento e pela discriminação dos médicos perante as pacientes. O que nos leva, novamente, à questão da lei. Estudantes de medicina não são treinados para lidar com tais questões, além do preconceito causado pela criminalização do ato.
Ainda há outra questão inerente ao caso do aborto: a gravidez indesejada. O sentimento negativo que, desde a suspeita de gravidez cerca as mulheres, levam-nas a ter o aborto como única consequência em uma história de alternativas escassas. Decisão que traz consigo mais sofrimento físico e emocional, justamente pela criminalização. Embora, no Brasil, tenha havido melhoras no acesso à contracepção pelas mulheres de nível socioeconômico mais baixo, segundo a PNDS de 2006, 26% das mulheres em questão, de 15 a 44 anos, não utilizam nenhum método contraceptivo. Além de que, deve-se considerar as relações de gênero implicadas na obtenção de contracepção. Embora continue como um domínio feminino, a escolha do método pode ser feita em função de preferências dos homens. O que resta, então, é a clandestinidade. Em um contexto de sistema de saúde ineficaz, a ilegalidade está sim associada aos procedimentos inseguros e à demora no atendimento médico.
O aborto é objeto de forte sanção social. E a gravidez fora do planejamento familiar também. É curioso como jovens de maior renda relatam menos ocorrência de gravidez do que as de menor renda, mas, se isto aconteceu, recorrem mais ao aborto (o mesmo acontece nos casos de violência: mulheres pobres denunciam mais do que as ricas, é tudo uma questão de status). Há recorrências em estudos que investigam óbitos maternos de jovens grávidas por suicídio. A estrutura da ilegalidade leva a tormentos psíquicos. Se a desculpa da lei for o gasto público, há uma pesquisa avaliando que, em 1991, no Rio de Janeiro, o total gasto com internações por causas de complicações no aborto inseguro seria suficiente para que o estado assumisse a realização de aproximadamente 62 mil abortos seguros, ou seja, 91% dos procedimentos estimados para aquele ano.
São por essas e outras que os resultados dos estudos acadêmicos devem ter divulgação mais ampla na sociedade, de modo a superar a visão dualista e ideologizada que marca a discussão sobre o direito ao aborto no Brasil.

As mulheres e os grandes cargos

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por Ricardo Archilha

Em meados de 2013, Anna Almeida* teve um dos piores dias de sua vida. Certa manhã, após chegar ao trabalho em um grande grupo de comunicação de São Paulo, levou um susto ao abrir a sua caixa de e-mail. Paula Martins**, recém-demitida da empresa, enviara um e-mail para ela, copiando todos os CEOs e gerentes, com uma mensagem nada simpática. Antes, vamos aos fatos.

Anna trabalhava como gerente de conteúdo dos dois maiores sites da empresa por cerca de 3 anos. Sempre realizou o seu trabalho com sucesso, sendo elogiada e querida pelos seus colegas e superiores. Após um tempo, começou um relacionamento com um dos CEOs do grupo, mantendo, de início o namoro em segredo. André Coelho*** era um dos representantes dos sites e trabalhava diretamente com Anna.

A decisão de manter o relacionamento em segredo aconteceu pelo fato do preconceito e comentários que isso poderia gerar. Estariam eles certos ao fazê-lo? Seriam tais comentários embasados ou apenas fofocas de trabalho? Será correto o ditado “onde se ganha o pão, não se come a carne”? O ocorrido leva a diversas discussões acerca do tema; certo ou errado, o que vimos aqui foi um caso de extremo machismo no ambiente de trabalho. Após um tempo, o casal teve a coragem de assumir o namoro e o resultado do anúncio os pegou de surpresa. Voltando à história:

Após um desentendimento com Anna e outros representantes da empresa, Paula fora demitida. Descontente com o fato, escreveu tal e-mail denigrindo a imagem de Anna, usando-se de argumentos falaciosos e, acima de tudo, preconceituosos. Em seu texto, atacou o relacionamento de Anna com André, dizendo que os dois estavam por trás de sua demissão devido ao fato de que ela não aprovara o relacionamento, dizendo que este prejudicaria a imagem da empresa.

Dada a introdução, seguiu atacando também as mulheres em geral, dizendo que estas apenas alcançam grandes cargos após seduzirem seus chefes. Chegou a dizer que “só abrindo as pernas” elas conseguem o que querem. Detalhe: Paula, obviamente, também é uma mulher. O desconforto geral foi inevitável e, no final, Paula não só seguiu demitida, como também prejudicando a si mesmo com a sua atitude.

Transtornados, André e Anna resolveram sair da empresa e, hoje, seguem trabalhando juntos, desta vez em Porto Alegre, em outro grupo de comunicação; o relacionamento segue mais forte do que nunca, já que um tempo depois, os dois se casaram.

Quando o assunto é namoro entre colegas de trabalho, o assunto é delicado – algumas empresas têm até restrições pesadas em cima disso. O grupo em questão, entretanto, nunca mostrou problema algum sobre o assunto. Acima de qualquer julgamento de valor, o preconceito e machismo vindos por parte de uma mulher é o que impressiona. Por mais que criticar relacionamentos entre colegas de trabalho possa parecer ultrapassado, o preconceito, aqui, é o que choca e leva à uma importante reflexão.

Mulheres alcançam grandes cargos por sua capacidade e dedicação, não por seduzir seus superiores ou “abrir as pernas”, como foi o termo aqui citado. Está mais do que na hora de acabar com tais crenças medievais e enxergar a mulher como a profissional que ela é.

* nome alterado para preservar a privacidade
** idem
*** idem

O Feminismo & As Redes Sociais

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por Naiara Wagner

O movimento feminista ganhou grande ambiente de difusão e propagação com o advento da Internet. Há diversos sites, páginas em redes sociais e fóruns que discutem questões da iniciativa feminista.

O tumblr http://femimiminista.tumblr.com/ , por exemplo, posta diversas imagens com viés de comédia, como uma que diz “homem: para ficar melhor, só virando mulher” e discute questões relevantes por meio da ironia e do humor – o que torna, de certa forma, os debates mais leves. Já no Facebook, há diversas páginas e fóruns de compartilhamento dos preceitos feministas, no qual as pessoas interagem, trocam experiências e acrescentam às ideias uns dos outros.

O blog http://blogueirasfeministas.com/ , é composto por mais de 70 mulheres, que colocam suas ideias de maneira nada impositiva e se propõe a tirar dúvidas e esclarecer seus ideais à terceiros. Nele, os textos são mais longos, tratando dos assuntos de maneira mais complexa e detalhada.

Os espaços na Internet são excelentes quando propõe reflexão e intercâmbio de ideias com relação aos debates feministas da atualidade, sem agressividade ou preconceito com ideais alheios. Os grupos feministas tem se apropriado destes espaços com o objetivo de analisar pautas políticas e analisar espaços de organização, que motivam e possibilitam ações, como por exemplo a chamada Marcha das Vadias, em 2012, ocorrida em diversas cidades do Brasil. A Internet também é um excelente espaço para expor de maneira anônima violências físicas e simbólicas – crimes, estupros, entre outros.

Machismo no trabalho (em casa!)

O QUE SENTEM?

Por Isabela Serafim

Nós sabemos que o machismo não está apenas no ambiente de trabalho. Mas, mesmo o machismo no trabalho está fora dele. Este é o caso de Gisele Ferreira*, que é administradora do acervo de roupas de uma revista feminina, e sofre machismo dentro de casa por trabalhar.

“Quando me casei, há 9 anos atrás, era vendedora em uma loja de brinquedos. Meu marido, Gabriel*, sempre ia até lá para me ver. Ele tinha ciúmes o tempo todo, das pessoas que eu conversava e das horas extras que fazia.”

Depois de trabalhar alguns anos no Shopping Morumbi, Gisele conseguiu um emprego em uma revista feminina, aonde cuidaria da entrada e saída de roupas e organização dos romaneios do acervo do título, publicado pela Editora Abril.

“As coisas pioraram muito. Como estava ganhando melhor e tendo contato com pessoas que trabalhavam com moda, comecei a me maquiar e arrumar mais. Então, ele começou a repetir o tempo todo que eu deveria ficar em casa cuidando dos filhos.”

Para Gabriel, mulher não tem que trabalhar. E, por isso, ele briga com Gisele todos os dias. Happy hour, festas da empresa e qualquer confraternização com pessoas da Editora estavam proibidas. A acervista de 30 anos quer ser independente, então tem se dedicado cada vez mais ao trabalho.

Depois de um tempo, a tolerância de Gisele foi diminuindo, e ela começou a chegar mais cedo e a se arrumar na Editora. “Preferia evitar confusão, saia de casa desleixada, e mesmo assim ele reclamava de eu estar indo trabalhar. Chegava na empresa, trocava de roupa e passava maquiagem.

Depois de um ano em seu emprego como acervista, ela está se separando do marido. “Cansei de ouvir que mulher é feita para cozinhar, passar e lavar. Quero trabalhar e ter minha vida. Ainda bem que nunca parei de trabalhar. Agora tenho dinheiro para me sustentar e cuidar de meus filhos.”

Esse é um dos casos que mostra que o machismo no mercado de trabalho está em todos os lugares. Ele é um conceito imposto na sociedade, e que persiste em todas as classes sociais. Como vemos em muitas empresas em que mulheres ganham menos mesmo em cargos de chefia, o preconceito também pode persistir em famílias, com maridos que assumem posturas machistas.

*Os nomes foram trocados para manter a privacidade dos personagens.

Bem-vindo ao WE CAN DO IT!

O QUE É?, O QUE PENSAM?, O QUE SENTEM?

por Isabela Sefarim, Mariana Amorim, Naiara Wagner, Ricardo Archilha e Thalita Mota

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O WE CAN DO IT! é uma reportagem online que investiga a prática do machismo dentro do mercado de trabalho, assim como a luta feminista neste sentido. Através dos alicerces “o que é”, “o que sentem” e “o que pensam” tentamos esclarecer um pouco sobre o assunto no Brasil e no mundo, trazendo além de dados e números, experiências pessoais em diversas plataformas multimídia. O blogue foi concebido para a matéria de Jornalismo Digital da Faculdade Casper Líbero, com supervisão do professor Renato Rovai.

FORMAÇÃO: UM TRABALHO NECESSÁRIO

O QUE É?, O QUE PENSAM?, O QUE SENTEM?

 por Ricardo Archilha

Um dos campos mais importantes na conscientização da luta feminista é a (in) formação. No Brasil, por exemplo, contamos com a SOF, Sempreviva Organização Feminista. Parte do movimento das mulheres brasileiras em âmbito internacional, a ONG atua desde o anos 1980. As atividades educativas não tem distinção: mulheres rurais e urbanas, negras, indígenas e jovens ou velhas; todas estão convidadas.

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A expressão de ser da SOF está no tripé movimento social + transformação + feminismo. A trajetória combina desde atuação em assessoria até organizações, passando por movimentos sociais e órgãos de governo. O trabalho sempre tem em mente a formação para o fortalecimento do movimento, partindo do pressuposto de que é fundamental ampliar o número de mulheres em lideranças, com capacidade de serem multiplicadoras de processos formativos em diversos âmbitos. A alteração da relação desigual entre mulheres e homens na sociedade brasileira também funciona como umas das frentes número 1. A exclusão pela renda social é outra batalha importante, já que as mulheres pobres estão fortemente excluídas, tanto ao acesso à renda e à riqueza social, quanto aos processos de direção política da sociedade.

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Partindo da reflexão da experiência e trajetórias de cada participante do grupo, combinada com reflexão teórica, a SOF tem construído uma abordagem que reflete sobre a relação entre as relações econômicas, a cultura patriarcal e a violência contra as mulheres como um elemento estruturante dessas relações. Colocar a perspectiva da construção de autonomia econômica e pessoal se torna um eixo estratégico para uma atuação que abarca essas dimensões de forma integral.

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O fortalecimento da autonomia das mulheres e sua presença como sujeito político na projeção de novos modelos de sociedade conjugam-se com uma perspectiva de que o processo de organização dos movimentos sociais é fundamental na construção de uma nova dinâmica de relações sociais. É dentro desses parâmetros que, como parte do movimento de mulheres, a SOF busca consolidar a Marcha Mundial das Mulheres como um movimento internacional que está inserido nas dinâmicas locais, com uma pauta nacional, e em diálogo com campanhas e movimentos com orientações próximas.

“Não se nasce mulher: torna-se”.

Simone de Beauvoir

A diretoria da SOF é composta por: Táli Pires de Almeida, Marilane Oliveira Teixeira, Maria Luiza da Costa, Beatriz Costa Barbosa, Vera Lúcia Ubaldino Machado e Denise Gomide Carvalho.

(Imagens: Marcha Mundial das Mulheres | Facebook)

ROMPENDO AMARRAS: RESISTIR É PRECISO

O QUE É?, O QUE PENSAM?, O QUE SENTEM?

 por Thalita Facciolo

“Que nada nos defina. Que nada nos sujeite. Que a liberdade seja a nossa própria substância”, Simone de Beauvoir.

 

 Todo ano, em diversas cidades do Brasil e do mundo, mulheres e apoiadores saem às ruas para gritar e expressar a indignação com suas amarras advindas da sociedade patriarcal. A visibilidade e o palco para o crescimento da pauta são chaves do ato de rua, que, neste caso, busca iniciar ou continuar o pensamento crítico acerca do machismo. A Marcha das Vadias, movimento internacional de mulheres, começou em janeiro de 2011, no Canadá, quando o policial Michael Sanguinetti disse às jovens da Universidade de Toronto que estavam amedrontadas por uma onda de violência sexual no campus que “as mulheres devem evitar se vestir como vadias” para que não sejam vítimas de estupro. Em 3 abril daquele ano, três mil pessoas saem as ruas de Toronto dando início à Marcha, que foi batizada com o termo usado pelo policial justamente para resignificá-lo e defender que a vítima da violência sexual não pode ser responsabilizada pelo crime contra ela.

A Marcha das Vadias levanta a bandeira da autonomia da mulher sobre seu corpo

A Marcha das Vadias levanta a bandeira da autonomia da mulher sobre seu corpo

 

No Brasil, a primeira marcha aconteceu pela primeira vez em 4 de julho de 2011 na cidade de São Paulo e, desde então, é um movimento feminista anual. São mais de 25 cidades organizadas para marchar nas terras brasileiras, como Fortaleza, Recife, Vitória, Rio de Janeiro, João Pessoa, Londrina e Cuiabá. O senso comum prega a ideia de que vadias são mulheres que agem de acordo com seus mais diversos desejos, especialmente os sexuais, como se o respeito a que ela se dá fosse determinado por esse fator. O feminismo e a Marcha defendem a autonomia completa dos desejos das mulheres.

“Se ser vadia é ser livre, então todas somos vadias”, frase muito estampada dos cartazes e bocas da Marcha

“Se ser vadia é ser livre, então todas somos vadias”, frase muito estampada dos cartazes e bocas da Marcha

O machismo é uma opressão bastante disfarçada e muitos de seus fatores são tidos como “naturais” pela sociedade. A culpabilização das vítimas da violência sexual, a construção do gênero nas crianças, a ditadura da beleza e a dicotomia “puta x vadia” são algumas das amarras as quais as mulheres são sujeitas e perseguidas dentro do corpo social e que a militância feminista e a Marchas das Vadias luta pela desconstrução.

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CRÍTICAS À MARCHA NO BRASIL = a despolitização do termo “vadia”

A discussão sobre o termo é bastante avançada e seu fundamento é válido justamente pela impressão de outro sentido na palavra, um gancho na luta pela desconstrução do patriarcado nas esferas da sociedade. Mas há muitas críticas ao termo e, consequentemente, ao caráter da Marcha das Vadias no Brasil. A militante feminista Isadora Szklo, do Coletivo RUA – Juventude Anticapitalista, opina na entrevista abaixo e contextualiza o movimento na direção às diferentes classes sociais.

THALITA FACCIOLO: Uma das principais bandeiras destacadas na Marcha é a toda a violência contra a mulher, principalmente a sexual. Qual a sua opinião sobre o termo “vadias” no nome, tendo em vista o objetivo do movimento de atingir mulheres de todas as classes sociais? Acredita que o termo assusta?

ISADORA SZKLO: Existem algumas problematizações importantes a serem feitas com o termo “vadia”. Dá pra dizer, por exemplo, que essa reapropriação positiva da palavra, numa tentativa de transformá-la de termo pejorativo é negativo, não funciona na prática. É claro que a língua é algo dinâmico que se transforma juntamente a sociedade, mas essa transformação não costuma vir de forma tão politizada quanto seria necessário. Por exemplo, a ofensa “viado”, hoje, perdeu boa parte de sua conotação homofóbica, mas continua sendo uma ofensa.  Fora isso, a questão mais importante é tática, no sentido de que, justamente por se tratar de um termo altamente ofensivo, uma marcha que leva esse nome deixa de atrair uma série de mulheres que não gostariam de ser associadas com a palavra “vadia”, por variados motivos. Sabemos que toda a discussão sobre o termo é bastante avançada, mas em alguns estados, como SP, essa discussão não é feita com o conjunto da população, mas foca-se mais em locais como universidades e bairros mais centrais, ou seja, foge da mulher da periferia, que, ao não participar do debate, não é atingida pelo objetivo do movimento.

 

TF: Em gancho na pergunta anterior, acredita que a Marcha se restrinja a uma parcela de mulheres da sociedade? Se sim, por que isso acontece?

ISADORA SZKLO: Como falei, o debate sobre o termo vadia e a necessidade de se reapropriar dele, ou até mesmo o debate da violência e do estupro não é um debate feito com o conjunto da população, mas com mulheres de uma esfera social muito restrita. Pensamos que, então, a Marcha das Vadias acaba sendo composta, em grande parte, por mulheres brancas e da classe média. Apesar dessas mulheres também sofrerem com a violência cotidiana, seria mais interessante realizar uma marcha que contasse com a construção de mulheres negras, pobres, da periferia, enfim, grande parte das mulheres brasileiras, que são grandes vítimas da violência. Um coletivo de mulheres negras dos Estados Unidos soltou uma nota sobre a Marcha das Vadias (Slut Walk) há cerca de dois anos atrás problematizando o uso do termo “Slut”, que se referia pejorativamente não só à mulher, mas principalmente à mulher negra. É muito custoso pra mulher que sempre foi atingida por uma ofensa passar a se apropriar dela. Acreditamos que o processo é bem mais longo e passa por uma série de desconstruções bem maiores do que é colocado pela Marcha, e por isso, ela acaba por restringir essa parcela de mulheres da sociedade, num caráter de classe e de raça.

TF: Além da visibilidade do ato em rua, quais outras formas você enxerga para desenvolver o pensamento crítico na mulher brasileira acerca de todas as amarras?

ISADORA SZKLO: A visibilidade em atos de rua são de extrema importância pro crescimento das pautas da esquerda no geral, e não foi diferente com o feminismo após o surgimento da Marcha das Vadias. Mas é importante que organizações e coletivos saibam se articular pra além deles, promovendo debates em seus locais de atuação, disputando a consciência daquelas que ainda não desenvolveram tal pensamento crítico. Daí a importância do feminismo coletivo, entendemos que a emancipação das mulheres se dará através da organização coletiva, caso contrário, se dará de forma extremamente hierárquica, como se fosse o dever da mulher, individualmente, emancipar a outra. O debate coletivo é essencial por isso. Além disso, é importante disputarmos espaços que temos na mídia, em grandes campanhas, mas sempre pensando qual é a melhor tática de disputa, pra que esse espaço seja ganho da melhor maneira possível. Até o Facebook é uma ferramenta extremamente importante de disputa, hoje em dia. Enfim, são várias alternativas, mas todas elas envolvem essa necessidade diária da construção do feminismo coletivamente. Nas palavras de Rosa Luxemburgo, quem não se movimenta, não sente as amarras que o prendem.

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Fotos por: Thalita Facciolo / Marcha das Vadias 2013 – São Paulo (SP)