por Ricardo Archilha
No domingo do dia 24 de agosto, durante o Video Music Awards, Beyoncé roubou a cena. Durante os 16 minutos de sua apresentação memorável, a cantora subiu ao palco em meio a um espetáculo de luzes e imagens projetadas no telão. Atrás da diva, brilhavam letras que compunham a palavra FEMINIST. O show vai de encontro com um momento muito específico do pop atual: o do discurso feminista. Em meio a objetificação da mulher ressaltada pelo estilo, aparecem cantoras cujo discurso é contraposto à hegemonia sexista da música. A exaltação do corpo já não é mais gratuita; a mensagem, agora, é de empoderamento pleno.
Mesmo que o prêmio de melhor vídeo do ano tenha sido entregue à Miley Cyrus, os holofotes em cima de Beyoncé não foram ofuscados. Vale dizer, entretanto, que a ex Hannah Montana também faz parte do time do novo feminismo musical. Não muito tempo atrás, a cantora da Disney chocou com sua completa mudança de identidade: a peruca volumosa deu lugar a um corte masculino, potencializado pelo brilho das mexas louras; o traje de garota colegial foi substituído por roupas curtas e provocantes; as letras, um dia pegajosas, agora entoam o hino do empoderamento. Hannah Montana está morta.
Nasce, junto com a nova Miley, um fenômeno delicado e contraditório. Estariam tais cantoras refletindo o verdadeiro feminismo, aquele estudado por autoras como Simone de Beauvoir e Ina Kerner? Seriam tais manifestações feministas válidas? Estudiosos divergem opiniões. De qualquer forma, é inegável o fato de que Miley Cyrus coloca em pauta uma importante questão: o slut-shaming. Não é difícil ver outras mulheres criticando o discurso da cantora, mostrando que não é de hoje que se manifestam antagonismos entre o próprio sexo feminino. Acontece que a própria Miley se contradiz: não só incita, como também pratica o slut-shaming. Será que tudo não se passa de um simples jogo comercial?
Como todo manifestação cultural vigente, surgem contradições. Lana Del Rey é um exemplo. Desde que aparece na mídia, a cantora californiana incorpora a mulher oprimida da década de 1950, misturando, também, elementos da mulher sedutora. Inova, de certa forma, ao fundir a dona de casa com a femme fatale. Com ares de Lolita, é capaz de persuadir o sexo masculino mesmo que, no final, a subordinação seja completa. Ao lado de Beyoncé e Miley Cyrus, Del Rey também causa polêmica. Em seu mais recente álbum, Ultraviolence, a cantora incita, sem pudores, a violência doméstica. Na canção que dá nome ao disco, ela canta: Jim told me that / He hit me and it felt like a kiss ou até he hurt me and it felt like true love. Ultraviolence é retrocesso escancarado em meio ao discurso das outras cantoras.
Perceba, porém, que a contradição, aqui, também aparece – vem no fato de que se acredita que a interpretação da letra deve ser revista. Certo grupo de feministas defende que essa é, também, uma forma de empoderamento. Ora, o feminismo não se constitui, em linhas gerais, de qualquer forma de poder sobre o homem? Desde que haja conscientização de tal atitude, defende-se, não há problema algum. Será que Lana Del Rey representaria, então, um tipo distinto de manifestação feminista? Questionada sobre o assunto, a cantora é categórica: o feminismo é chato.
Em meio a constantes contradições, a verdade é que o fenômeno é recente. Sobreviverão, no futuro, as cantoras feministas de hoje? De qualquer forma, é urgente e importante o fato de que tais manifestações não devem ser apenas observadas – devem ser discutidas, estudadas, refletidas. Ao aparecer em frente a palavra “feminista”, Beyoncé representa, sim, a vanguarda da música pop. A pouca roupa de Miley Cyrus também trilha no mesmo caminho. Até mesmo o desdém de Lana Del Rey é necessário para que se observe as diferentes esferas que o neofeminismo vem alcançando. As interpretações são diversas, mas é bom saber que os jovens, em 2014, sejam influenciados por esse tipo de discurso – saibam elas o seu significado, ou não.