ROMPENDO AMARRAS: RESISTIR É PRECISO

O QUE É?, O QUE PENSAM?, O QUE SENTEM?

 por Thalita Facciolo

“Que nada nos defina. Que nada nos sujeite. Que a liberdade seja a nossa própria substância”, Simone de Beauvoir.

 

 Todo ano, em diversas cidades do Brasil e do mundo, mulheres e apoiadores saem às ruas para gritar e expressar a indignação com suas amarras advindas da sociedade patriarcal. A visibilidade e o palco para o crescimento da pauta são chaves do ato de rua, que, neste caso, busca iniciar ou continuar o pensamento crítico acerca do machismo. A Marcha das Vadias, movimento internacional de mulheres, começou em janeiro de 2011, no Canadá, quando o policial Michael Sanguinetti disse às jovens da Universidade de Toronto que estavam amedrontadas por uma onda de violência sexual no campus que “as mulheres devem evitar se vestir como vadias” para que não sejam vítimas de estupro. Em 3 abril daquele ano, três mil pessoas saem as ruas de Toronto dando início à Marcha, que foi batizada com o termo usado pelo policial justamente para resignificá-lo e defender que a vítima da violência sexual não pode ser responsabilizada pelo crime contra ela.

A Marcha das Vadias levanta a bandeira da autonomia da mulher sobre seu corpo

A Marcha das Vadias levanta a bandeira da autonomia da mulher sobre seu corpo

 

No Brasil, a primeira marcha aconteceu pela primeira vez em 4 de julho de 2011 na cidade de São Paulo e, desde então, é um movimento feminista anual. São mais de 25 cidades organizadas para marchar nas terras brasileiras, como Fortaleza, Recife, Vitória, Rio de Janeiro, João Pessoa, Londrina e Cuiabá. O senso comum prega a ideia de que vadias são mulheres que agem de acordo com seus mais diversos desejos, especialmente os sexuais, como se o respeito a que ela se dá fosse determinado por esse fator. O feminismo e a Marcha defendem a autonomia completa dos desejos das mulheres.

“Se ser vadia é ser livre, então todas somos vadias”, frase muito estampada dos cartazes e bocas da Marcha

“Se ser vadia é ser livre, então todas somos vadias”, frase muito estampada dos cartazes e bocas da Marcha

O machismo é uma opressão bastante disfarçada e muitos de seus fatores são tidos como “naturais” pela sociedade. A culpabilização das vítimas da violência sexual, a construção do gênero nas crianças, a ditadura da beleza e a dicotomia “puta x vadia” são algumas das amarras as quais as mulheres são sujeitas e perseguidas dentro do corpo social e que a militância feminista e a Marchas das Vadias luta pela desconstrução.

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CRÍTICAS À MARCHA NO BRASIL = a despolitização do termo “vadia”

A discussão sobre o termo é bastante avançada e seu fundamento é válido justamente pela impressão de outro sentido na palavra, um gancho na luta pela desconstrução do patriarcado nas esferas da sociedade. Mas há muitas críticas ao termo e, consequentemente, ao caráter da Marcha das Vadias no Brasil. A militante feminista Isadora Szklo, do Coletivo RUA – Juventude Anticapitalista, opina na entrevista abaixo e contextualiza o movimento na direção às diferentes classes sociais.

THALITA FACCIOLO: Uma das principais bandeiras destacadas na Marcha é a toda a violência contra a mulher, principalmente a sexual. Qual a sua opinião sobre o termo “vadias” no nome, tendo em vista o objetivo do movimento de atingir mulheres de todas as classes sociais? Acredita que o termo assusta?

ISADORA SZKLO: Existem algumas problematizações importantes a serem feitas com o termo “vadia”. Dá pra dizer, por exemplo, que essa reapropriação positiva da palavra, numa tentativa de transformá-la de termo pejorativo é negativo, não funciona na prática. É claro que a língua é algo dinâmico que se transforma juntamente a sociedade, mas essa transformação não costuma vir de forma tão politizada quanto seria necessário. Por exemplo, a ofensa “viado”, hoje, perdeu boa parte de sua conotação homofóbica, mas continua sendo uma ofensa.  Fora isso, a questão mais importante é tática, no sentido de que, justamente por se tratar de um termo altamente ofensivo, uma marcha que leva esse nome deixa de atrair uma série de mulheres que não gostariam de ser associadas com a palavra “vadia”, por variados motivos. Sabemos que toda a discussão sobre o termo é bastante avançada, mas em alguns estados, como SP, essa discussão não é feita com o conjunto da população, mas foca-se mais em locais como universidades e bairros mais centrais, ou seja, foge da mulher da periferia, que, ao não participar do debate, não é atingida pelo objetivo do movimento.

 

TF: Em gancho na pergunta anterior, acredita que a Marcha se restrinja a uma parcela de mulheres da sociedade? Se sim, por que isso acontece?

ISADORA SZKLO: Como falei, o debate sobre o termo vadia e a necessidade de se reapropriar dele, ou até mesmo o debate da violência e do estupro não é um debate feito com o conjunto da população, mas com mulheres de uma esfera social muito restrita. Pensamos que, então, a Marcha das Vadias acaba sendo composta, em grande parte, por mulheres brancas e da classe média. Apesar dessas mulheres também sofrerem com a violência cotidiana, seria mais interessante realizar uma marcha que contasse com a construção de mulheres negras, pobres, da periferia, enfim, grande parte das mulheres brasileiras, que são grandes vítimas da violência. Um coletivo de mulheres negras dos Estados Unidos soltou uma nota sobre a Marcha das Vadias (Slut Walk) há cerca de dois anos atrás problematizando o uso do termo “Slut”, que se referia pejorativamente não só à mulher, mas principalmente à mulher negra. É muito custoso pra mulher que sempre foi atingida por uma ofensa passar a se apropriar dela. Acreditamos que o processo é bem mais longo e passa por uma série de desconstruções bem maiores do que é colocado pela Marcha, e por isso, ela acaba por restringir essa parcela de mulheres da sociedade, num caráter de classe e de raça.

TF: Além da visibilidade do ato em rua, quais outras formas você enxerga para desenvolver o pensamento crítico na mulher brasileira acerca de todas as amarras?

ISADORA SZKLO: A visibilidade em atos de rua são de extrema importância pro crescimento das pautas da esquerda no geral, e não foi diferente com o feminismo após o surgimento da Marcha das Vadias. Mas é importante que organizações e coletivos saibam se articular pra além deles, promovendo debates em seus locais de atuação, disputando a consciência daquelas que ainda não desenvolveram tal pensamento crítico. Daí a importância do feminismo coletivo, entendemos que a emancipação das mulheres se dará através da organização coletiva, caso contrário, se dará de forma extremamente hierárquica, como se fosse o dever da mulher, individualmente, emancipar a outra. O debate coletivo é essencial por isso. Além disso, é importante disputarmos espaços que temos na mídia, em grandes campanhas, mas sempre pensando qual é a melhor tática de disputa, pra que esse espaço seja ganho da melhor maneira possível. Até o Facebook é uma ferramenta extremamente importante de disputa, hoje em dia. Enfim, são várias alternativas, mas todas elas envolvem essa necessidade diária da construção do feminismo coletivamente. Nas palavras de Rosa Luxemburgo, quem não se movimenta, não sente as amarras que o prendem.

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Fotos por: Thalita Facciolo / Marcha das Vadias 2013 – São Paulo (SP)

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